Furtou gilete de R$ 49: por que caso de jovem condenado a prisão vai ao STF
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Luís André Roque Delfim, 25 anos, um jovem negro, em situação de rua e dependente químico, foi condenado a 1 ano e 2 meses de prisão por furtar, em 13 de maio de 2024, um kit de aparelho de barbear avaliado em R$ 48,99, o equivalente a 3% de um salário mínimo, em uma farmácia do Shopping Tijuca, zona norte do Rio.
Dois dias depois da detenção, a prisão foi convertida em preventiva. O MP (Ministério Público) pediu a condenação, a Defensoria Pública recorreu, o caso passou pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, agora, está no STF (Supremo Tribunal Federal). A ministra Cármen Lúcia negou habeas corpus, mas o ministro Alexandre de Moraes defendeu que o caso seja pautado presencialmente.
O que aconteceu
Furto por volta das 18h dentro de shopping. Uma atendente da farmácia afirmou à polícia que viu Luís entrando pela porta principal, se agachando ao lado de um espelho e colocando o kit de barbear dentro da roupa.
Na sequência, ela narrou que Luís correu. Logo em seguida, ele foi pego pelos seguranças do shopping já fora do centro comercial. A testemunha afirmou para a polícia que, dois dias antes, Luís também tinha ido ao local e feito outros dois furtos.
Luís passou por diversos presídios do Rio. Pelo furto do kit de barbear, que foi devolvido para a farmácia, Luís está desde maio de 2024 no sistema penitenciário do Rio. Atualmente, está no presídio Evaristo de Moraes, zona norte.
Antes disso, Luís tinha 11 anotações criminais. Entre 2019 e 2024, o rapaz cometeu outros furtos na cidade. Todos eles de itens similares, de baixo valor comercial.
Debate sobre reincidência x bagatela
Defensor público levou o caso ao STF, argumentando bagatela para reincidentes. Eduardo Newton, que atendeu Luís na audiência de custódia, afirmou que o Supremo já "apontou para a plena possibilidade de reconhecimento da bagatela para reincidentes". Segundo ele, há entendimento prévio de que "o contido em uma folha de antecedentes criminais não pode ser tido como relevante para afastar o reconhecimento da atipicidade material, que decorre da incidência do princípio da bagatela/insignificância".
Defensor faz críticas à condução do caso, inclusive por Defensoria e MP. Ele faz uma "autocrítica" ao apontar "diversos equívocos e omissões" da Defensoria Pública, que, segundo ele, já o conhecia o histórico psiquiátrico do jovem. "Mas isso somente foi levantado agora para esse habeas corpus", disse ao UOL. Já o MP não se voltou "para quinquilharia, uma gilete que foi devolvida para a rede de farmácia".
Cada instituição deve refletir sobre a postura adotada para que outros casos iguais não alcancem os cárceres.
Eduardo Newton, defensor público
MP pediu a condenação de Luís e TJ julgou o furto como relevante. O Tribunal de Justiça, porém, decidiu substituir a prisão preventiva por "medidas cautelares diversas". O STJ não trancou a ação penal pela reincidência.
STF manteve o argumento do STJ e não considerou que há 'demasia' na prisão. "Com várias penas a serem cumpridas pelo paciente em razão de reiterados crimes cometidos e que, somadas, mostram volume significativos de débito com a sociedade, conduz à conclusão de não haver demasia nem ilegalidade na conclusão judicial das instâncias antecedentes", escreveu a ministra Cármen Lúcia.
Ainda que todos os bens subtraídos pelo paciente fossem de pequeno valor, os elementos probatórios destes autos revelam ter o paciente estabelecido a prática de crimes como meio de vida.
Cármen Lúcia
Família desestruturada pela droga
Luís faz tratamento desde os 6 anos no Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Segundo a avó dele, Vera Lúcia, que tinha a guarda do menino, a mãe dele também era usuária de crack e usou drogas enquanto estava grávida. Ela vivia em situação de rua e, quando buscava Luís na escola, levava-o para pedir dinheiro na rua.
No Instituto de Psiquiatria da UFRJ, foi constatado que ela tinha bipolaridade e outras doenças mentais. O pai de Luís morreu quando o menino tinha 4 anos. A avó conta que ele viu o pai cair de uma altura de 13 metros, enquanto trabalhava como pedreiro, e morrer. Ele ficou sozinho com o pai até a chegada do socorro, que demorou.
Em 2010, mãe e filho perderam a casa em enchente no Morro dos Prazeres. Com isso, eles perderam quase todos os documentos e foram morar em abrigo, diz a avó. Nesse mesmo ano, a mãe dele morreu e, segundo a avó, desencadeou nele a compulsão por drogas.
A avó continuou encaminhando Luís para tratamento. Vera Lúcia afirmou que, depois de ele ter completado 17 anos, se tornou inviável "segurá-lo em casa".
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